Bem-Vindo

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Coincidências



“Me deixei levar pelo tempo, caminhei sem olhar por onde andava e por coincidência esbarrei em você. Continuei a caminhar, mas dessa vez te levei comigo.”  Anônimo. 

Entrou apressadamente. Não corria, mas mesmo fazendo um esforço para não respirar pela boca, o som de sua respiração pesada a acompanhava. Ao passar pela porta, ficou grata pelo ar-condicionado que a recebeu. Sua amiga Emília a esperava impacientemente. Sua aula havia terminado há mais de meia hora, e esperava somente ela para irem comprar os ingressos de um show. A avistou, a alguns metros afastada, batendo o pé nervosamente no chão. Fixou-a e foi ao seu encontro, não viu quando aquela forma se materializou diante de si.
-Desculpe,  Falou automaticamente.
-Não, eu que peço desculpas, não olhava por onde andava.  Respondeu o rapaz, já voltando a apressar o passo.
Seus olhos desvencilharam-se. Emília se aproximou.
-Vamos?
-Sim sim, desculpe. 

Foi um dia cansativo, não tinha dormido à noite por causa do show que vira, e passou o dia vagando. Biblioteca, sala, cafeteria, sala, rua. Andava de cabeça baixa, com um livro nos braços, pendendo perigosamente. Sentou-se num banco de pedra que ficava encostado no muro de alguma construção qualquer. Estava nos arredores da faculdade, árvores a brindavam com sombra e ar fresco, sentiu vontade de ler. Lia algum romance, um dos muitos que a prendiam em suas tardes tediosas. Saboreava as últimas frases de um capítulo quando sobressaltou-se. Seu coração estava acelerado, posição de alerta. O que foi isso? Alguém jogara alguma coisa do outro lado  do muro, que o acertou exatamente no ponto em que ela se encontrava. Pelo impacto, imaginou que fosse uma bola. Fechou o livro, levantou-se.

Já passava das três quando chegou na casa de uma colega, ela e Emília já a esperavam para fazer um trabalho. Ainda tinha seus fones no ouvido quando foi convidada para sentar. Assim que os tirou, teve a impressão de continuar ouvindo a música. Mas o que? Estava ficando louca ou ligeiramente surda, fazendo com que aquela melodia ainda ecoasse em labirínticos caminhos? Deve ter franzido o cenho enquanto se concentrava nos acordes que ainda tocavam, pois Emília reparou.
-É o vizinho. Ele toca guitarra, deve estar aprendendo essa música, porque a toca desde que eu estou aqui. Não é?  Olhou de soslaio pra sua colega.
-Sim, é o dia inteiro...
-Ah... pensei que não tivesse desligado meu ipod.  Tentou justificar sua surpresa.
Começaram o trabalho.

Deu o sinal do ônibus, equilibrava um caderno com uma mão, enquanto a outra se ocupava de sustentar seu peso enquanto este era jogado para frente. Freios. Viu, enquanto se aproximava de sua parada, um garoto correndo. Ele fez um sinal em sua direção, ao qual o motorista respondeu abrindo a porta de trás. Já saltava o último degrau quando olhou para sua direita e viu aquela forma subindo em um pulo. Pensou já tê-la visto antes... Parada, ali na calçada, olhava para o ônibus que acabara de a deixar pra trás. Janelas corriam e nelas procurava alguma coisa ou alguém. Desistiu, devia ter pensado que viu algum conhecido.

Estava cansada... seus olhos brilhavam, vermelhos. Além do final do semestre que arrancava-lhe suas noites, sentia uma exaustão que não era física, mas espiritual. Sentia-se velha, com já muitos anos vividos, e uma sabedoria que não os acompanhava. Subia agora as escadas do metrô. Corredor, escada, direita. Foi com esses pensamentos em mente que esbarrou naquele (des)conhecido. Pareceu perde-los por instantes, visto que agora seu cérebro se ocupava de outras coisas. Onde? Quando? 
-Desculpe,  Ele falou automaticamente.
-Não, eu que peço desculpas, não olhava por onde andava.  Respondeu-lhe, ainda o encarando.
Seus olhares não se desvencilharam dessa vez. Ficaram ali parados, nessa eternidade que um segundo pode conter. Tinha visto uma vez em um filme duas pessoas anônimas esbarrarem assim. Começaram a conversar, para saírem do modo pré-programado em que viviam. Não queriam mais ser "formigas" na vida dos outros, que, ao bater as antenas, desviam a cabeça e prosseguem com seus caminhos.
-Já te vi antes, não?      Seus pensamentos são cortados.
-Creio que sim...
Seus olhos sorriram, fitando-se.

Um. O apressado, o jogador de bola, o guitarrista, o passageiro de ônibus, o cara do metrô. Dois. 

1 comentários:

Naiara disse...

Tão poético e cotidiano...parece fosco, não sei...adorei :)

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