Bem-Vindo

sábado, 5 de junho de 2010

Fios perdidos


Fios perdidos
Abro os olhos. Minha cabeça dói... levo a mão à cabeça, mas acabo parando para observá-la. Uma mão de velha, cujas rugas o tempo não esqueceu de cobrar. Em cada vinco que cobre minha pele, um história em formação. Algo me inquieta... não está faltando aquele sentimento de realização? De uma vida cheia de conquistas?Um estranho vazio envolve aquelas mãos e tudo que sinto. A visão desfocada da minha mão dá lugar a uma imagem paralela. Vejo ao meu lado uma jovem de cabelos louros, com olhos cansados e um sorriso na boca. O sorriso mais triste que já vi. Ela me fita esperançosa, e sinto que a qualquer momento possa lhe escapar uma lágrima, dessas que saem no momento errado, numa tentativa frenética e frustrada de auto-controle e força. Observo o ambiente ao meu redor, me vejo em um quarto pequeno e azul; à minha frente encontra-se uma televisão, onde passa uma novela. Sinto olhos fixos em mim, como fossem feixes de luz vidrados em minha direção. A moça começa a me incomodar... pare de me olhar! faço um esforço para prestar atenção à novela, e começo a lembrar da trama. Ah sim! Eu assistia a essa novela... não? Passados alguns minutos, a insistente moça me pergunta com a voz trêmula:
- Precisa de alguma coisa, mamãe?
Sinto que empalideci. Que brincadeira era essa? Quanta ousadia daquela moça! Meu cérebro transbordava de sentimentos controversos, surpresa, raiva, ternura...
Ternura. Esse último começou a crescer, a aflorar de uma maneira até que sinto que é de meu rosto de onde escorrem as lágrimas. Lágrimas ligeiras, fervilhantes de desespero.
- Minha filha, minha filha!
Imagens. Um campo verde, uma casa de tijolos, um pote com flores vermelhas numa janela de um azul desbotado. Minha janela. Crianças correndo uma atrás da outra, uma mão se abanando com um chapéu. Meu chapéu. Uma tarde de verão, um bolo de aniversário, uma menina sorridente. Minha menina. Uma manhã chuvosa perdida no tempo, um beijo de despedida, um asilo. Meu asilo. E a loucura. Ah... a loucura. Minha loucura! Tudo começou com um diagnóstico. Aquela maldição que se apoderava de mim, ia, as poucos, me despedaçando. Não podia suportar diariamente ter que lutar com minha mente... enlouqueci. Meus devaneios são dilacerados por uma voz tão doce...
-Mamãe?
Minhas memórias... elas transbordam de mim, como se eu fosse um copo... que enche tanto, que tudo o que sobra são momentos, vividos em um instante logo perdido. Uma vida sem memórias, uma vida oca e sem sentido. Não fujam de mim! Agarro, desesperadamente, o lençol da cama. Posso não poder mais guardá-las no meu infinito particular, pode faltar-me a razão, mas não me abandonem! se meu cérebro falha, meu coração não me falta, e espaço é o que eu tenho a oferecer... Sim! posso vencer a ciência, posso provar que sou mais forte que essa doença que me consome, me apegarei às minhas lembranças, às minhas preciosas lembranças, e as guardarei em meu coração, onde toda razão foge. Vou relaxando, confiante, sentindo um torpor se apoderar de mim.
Abro os olhos. Uma moça dorme em uma pequena poltrona acolchoada perto de uma janela. A novela que tanto gosto está no final... Aquela moça me chama a atenção, pois por seu rosto serpenteia uma trilha de lágrimas secas. Pobrezinha... o que será que aconteceu?

Sangrento Arco-íris


Sangrento Arco-íris



I


Em imenso céu azul 
Gentilmente dançava
Penas de marrom ardente
Reluziam ao Sol da manhã


Relva verdejante que pulsava
Correndo, voando, correndo
Topou a pobre andorinha
Com um passante do momento


Em ligeira flecha maldosa 
seu coração foi espetado
Querubim de artes odiosas
Impôs-lhe tal triste fado!


A pingar amor pelos cantos
A andorinha seguia o passante
Que, em resposta inebriante a sua dor,
Sempre aparecia, constante


Ser vívido e branco
Alto tal qual arboredo
Face emoldurada por cachos
que despendiam, suaves


Corria, corria
Sempre com companhia
Arfava alegre à sua amiga
"Olá... olá! Bom dia!" 
Corria, corria


Toda tardezinha, 
Com alegre euforia,
Passava correndo
Em minutos de alegria


Esperava a andorinha,
Suspirando de saudades,
A volta de seu amor
Nas evanescidas tardes


Em dia de ar pesado
Vinha seu amor apressado
E o seguia a andorinha
Correndo, voava, correndo
"Que lindo dia! Não é,
minha querida amiguinha?"


II


Seu pequenino coração
Quebrar-se-ia com o que viria então
Pois um louco desvairado
Virou passante do momento
Com fel nos olhos, armado
Atirou, rasgando o vento


E fugiu, correndo, correndo...
A andorinha, desesperada, 
Em redomoinhos cercava
Sua amada companhia estirada,
Em mantos de sangue coberta
E soluçava, soluçava


"Adeus... pequenina...
pelo menos a ti poupastes..."
Arfava o constante passante, 
agora passageiro de um barco que
não mais voltaria. Nunca mais.


Em seus cachos se aninhou
Soluçando ao destino maldoso
Chorando pelo sonho que amou
Subiu, correndo, voando


Não conseguia carregar flores
Muito pesadas e pomposas,
Se contentou com pétalas
De lírios, gardênias, rosas.


Em frenético voar
Ia e vinha, ia e vinha
Trazendo, em cada pétala,
Um pedaço de seu amor.


Em arco-íris crescente,
O chão se transformou
O Sol tristonho, já poente
Com as núvens chorava sua dor


Em Imenso céu nublado
Gentilmente dançava
Penas de rubro ardente
Tombavam no parque ensanguentado.

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