Bem-Vindo

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Geometria



Geometria


   Sinto-me sólida hoje. Não foi pelo que não digeri, ou talvez sim. De alguma forma estou mais complexa; os planos que me cercam se alteram, mas ultimamente tenho visto muitas figuras esféricas. Talvez tenha ficado um pouco assustada, as planas eram mais fáceis. Cansada... deve ser só isso. Sempre gostei de decifrá-las; as figuras esféricas podem ser tão divertidas! Você as levanta, joga pro alto, segura de novo, rola. E elas continuam da mesma forma: passivamente te encarando, inertes em pensamentos obscuros. Brincar com elas é a melhor parte. São imprevisíveis e podem não voltar mais, uma vez lançadas. Saem rolando por ai, sem um destino certo, pelo menos ao seu ver, e acabam topando em encontros inusitados. Planos em várias dimensões me cercam agora. Sinto que estou inchando, com pensamentos a transbordar. Sempre achei que as coisas ficariam mais claras quando chegasse a esse ponto. Enganei-me. O breu é soberano. Agarro, desesperadamente, as frestras de luz que saem das portas semi-abertas. Ao meu lado estão as esféricas, do outro, não sei. As planas, estas nem estão aqui. Estas, nesse plano, nem são. 
   Cada frestra significa mais do que poderia supor... gosto tanto de colecioná-las! Fazer uma coleção assim, tão ímpar, leva tempo. Tempo e muito esforço, mas acredito ser recompensada. Minha parte favorita é descobrí-las. Escondidas atrás de uma ou outra sombra. Vou esgueirando-me, me aproximo. Espero um pouco e... BAM! Pulo ao seu encontro e as pego nas mãos. Vou guardando tudo, sentindo cada vez mais o inchaço se apoderar de mim. Cultivá-las é mais demorado, mas após lapidadas, brilham tão deslumbrantemente que você pode compartilhá-las, mostrando, incluisive às planas, todo seu esplendor. O que não me avisaram, porém, é que elas não morrem. Eventualmente são substituidas, mas não morrem. Já fazendo parte do meu ser, é impossível desfazer-me delas. E quando tudo o que você quer é um pouco de sombra, pra descansar, elas estão lá, a brilhar e brilhar. Quando você percebe isso, é tarde de mais. Você é uma esférica. Eu sou uma esférica agora.
   Ser esférica dá trabalho e estou fatigada. Queria ficar em um só plano, um simples mesmo, linear. Sinto-me cada vez mais presa num labirinto de senóides e essas curvas estão me enjoando. Cheguei ao topo de uma delas e percebi que tenho medo de altura; Descer parece o caminho mais óbvio a seguir. Mas não poderei simplesmente pular para outro plano? Aquele linear que tanto quero... por favor, por favor, simplifique esses graus! Quero voltar à escala um! Que fiquem as curvas com suas pérfidas esféricas.
   Não me entenda mal... não é que não se possa confiar numa esférica... uma vez em seu âmago são criados laços de difícil rompimento (pelo menos é o que se espera, com uma esférica nunca podemos ter certeza); mas elas podem ser tão fatigantes! Podem rolar e rolar e não sair do lugar. Ainda assim as admiro... as planas, nem isso fazem. Ficam paradas, esperando que alguma força superior as mova, as tire de sua vidinha patética. Ou não. Ou não esperam nada, simplesmente vivem.
   Talvez tal disposição para vida seja realmente invejável... apesar de suas aspirações resumirem-se ao próximo sorriso. Talvez, só talvez, as esféricas sonhem com um dia se tornarem planas novamente, dai todo seu dilema existencial. Apenas por essa noite, desejo ser plana... mas nunca mais voltaremos, pois uma vez infladas não há mais volta. Resumir-me-ei, enfim, a minha geométrica insignificância.

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