Bem-Vindo

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Conto de Fadas


Pequeno botão
Era uma vez um pequeno botão de gardênia, que vivia embaixo de uma grande árvore. Lânguida, lutava para receber algumas poucas gotas de Sol. Em uma tarde ensolarada para o mundo e sombreada para ela, veio seu príncipe. Não era nobre, andava com vestes rotas e sujas, com uma sandália de couro. Andava, porém, olhando para o céu, para o infinito azul, onde nuvens de todas as formas e tamanhos andavam juntas, em perfeita harmonia. Ah! como gostaria que assim fosse a Terra! Assoviava uma música qualquer de bailes. Quando passou ao lado da grande árvore onde padecia o pequeno botão, ouviu um murmúrio, uma flébil dolência. Deteu-se e olhou para baixo. Viu o pequeno botão, de cor doente, folhas tombadas.
Foi quando ouviu uma surdina:

"Nasci aqui da Flor mais alva, branca como as asas de um anjo,
nasci aqui e com pequenas joaninhas brinquei
nasci aqui e nas gélidas noites, nas gramíneas me embalei
nasci aqui e quando o Sol, vier, enfim, 
me beijar as faces, um último suspiro darei
nasci aqui e aqui hei de morrer..."
Consternado com a dor da pequena flor, o príncipe camponês subiu na grande árvore, e moveu uns ramos de lugar. Ondas de Sol agora pulsavam na direção do botão, que já sentia suas forças se renovando. Quando seu príncipe desceu dos ramos, o botão pôde, enfim, agradecer ao seu salvador. Meio sem jeito, começaram uma conversa. Esta durou a terde toda, o príncipe lhe falava dos imponentes castelos, dos enormes jardins que havia em seu reino, e o botão lhe falava do seu minúsculo mundo, da conversa das formigas, das serenatas das cigarras, das danças da grama. O príncipe ouviu maravilhado, percebendo a magnificência de um mundo antes ignorado. O botão ouviu encantado, com o desejo de poder andar, de poder conhecer além de seu pequeno horizonte formado por duas pedras lascadas.
O camponês e o botão se tornaram grandes amigos, e toda tarde discutiam sobre a vida, o céu, seus mundos ao mesmo tempo tão distantes e tão integrados. O pequeno botão sentia que sua força agora não vinha do Sol, mas de seu príncipe. Suas folhas estremeciam sempre que ele se aproximava, e, quando ele deitava ao seu lado, com seus lábios virados para suas delicadas pétalas, sentia o vento parar, e uma onda de emoção edênica se apoderava de seu frágil corpinho. Como poderia, porém, seu príncipe sentir o mesmo? Não sentia nem seu perfume, pois este ainda não brotara. O que era um miúdo botão de flor para ele? Algo tão insignificante, que nem valia a pena colher.
No dia seguinte, o pequeno botão estava triste, murcho; o camponês se aproximou, perguntando o que havia acontecido. "Todo dia vejo moças de vestidos longos correndo pelo Sol... Ah! como as invejo! Gostaria de ser bonita como elas, de poder correr como o vento, de me enfeitar com laços e rir alto..." seu príncipe parou um minuto para pensar. "Como você está enganada! Acha que elas são belas, mas não vê que se inspiram nas flores... vestidos longos como pétalas, perfumes de lírios, cabelos esvoaçantes... você não precisa de nada disso, sua beleza é natural e ainda está por desabrochar... mas, se deseja tanto ser como as humanas, acho que tem algo que eu posso fazer" ao dizer isso, seu príncipe puxou um fio de seu casaco azul -o melhor que tinha- e o amarrou cuidadosamente em volta do talo da pequenha gardênia, formando um laço. "Pronto! Aí está seu laço! Está muito mais bonita que qualquer garota agora." O pequeno botão não consegue se conter e desaba a chorar; suas lágrimas logo param, ouvindo seu príncipe que agora estava tocando flauta. Deixa-se levar, sente o vento em suas pequenas folhinhas, sente a música ressoando em todo seu ser, ah... volúpico veneno! Êxtase.
Já faz duas semanas que seu príncipe não aparece... ah que saudade de sua música, do calor de sua fala! Não adiantava sonhar com o céu, quando sua maldita sina a aprisionava ao chão. Resolveu ficar forte, crescer e se tornar tão bela e alva quanto as nuvens, iria impressionar seu príncipe quando ele voltasse...
Em uma tarde, cortaram a árvore que lhe sombreava, e o botão se via agora em um enorme campo, com bastante vento e luz para crescer; não demorou muito para que suas pétalas antes rotas, abrissem-se em forma de asas marfíneas, dando delicadas voltas no ar. O laço azul continuava amarrado em seu talo, logo abaixo de suas mádidas pétalas. Dançava, orgulhosa, com os vívidos tons de verde da grama, e não viu a moça de vestido esvoaçante ou seu companheiro de casaco azul que se aproximavam lentamente.
"Como és linda! Tens a cor da Lua e o perfume das flores!" "Prove que me ama, traga-me a coisa mais bela que achar, quero-a para mim!". Como é tolo homem apaixonado... move céu e terra pelo seu amor, sem saber que tudo o que precisa mover é um coração, somente. Quando o camponês viu aquela vaporosa forma branca dançando ao vento, sabia que não acharia nada mais lindo; "Levarei essa flor de Gardênia para minha princesa". Viu seu príncipe se aproximando, quase não se continha de alegria, e foi quando sentiu um puxão, e aos poucos sua vida se esvaindo...
O camponês ofereceu a flor desfalecida a sua amada, que a pegou e cheirou. Não podia parar de sorrir, tão bela! Foi quando seus longos dedos encontraram algo que não deveria estar ali... "Isso é um laço...?" já havia começado a puxar o fio azul quando seu enamorado deu um grito de horror. Arrancou a flor de suas mãos, verificou o fio. "Não! não é possível! você era só um botão... um botão muito triste na sombra de uma árvore!" soluçava; com tal agitação a flor acordou. Quase sem vida, pode apenas murmurar suas últimas palavras:
"Não chore, meu príncipe. Se do meu destino não esperava muita coisa, você me deu a alegria de sonhar, e fico feliz por te ajudar a encantar alguém. Meu amor não é egoísta, quero que viva feliz, que corra com o vento e nunca se deixe abater por sombra alguma..."
Até hoje pode ser visto um grande jardim de gardênias naquele reino, cuidado por um casal ainda apaixonado.

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