Bem-Vindo

terça-feira, 10 de maio de 2011

Morte em terceira pessoa

"Ficaram assim, quase abraçados, quase juntos, à beira do tempo ." Saramago
  
Segurava sua mão. Em toda a simplicidade que esse ato encena, mas com um sentimento tão profundo que a fazia prender o ar. A mão dele estava tão quente mas ao mesmo tempo tão inerte, numa rigidez cadavérica que conseguia apagar qualquer sorriso de sua face, pondo um quê de desespero em seus olhos já úmidos. As mãos dela se fechavam em concha em volta de sua pele macia. Ah se ele soubesse o quanto tudo aquilo significava para ela!
   Queria poder chorar, mas a fatiga que as forçadas explicações posteriores causaria aos dois os preservava disso. Sentia seu olhar triste a despindo de todo medo ou cansaço, e seria capaz de lutar com os mais fortes inimigos e de atravessar o mais longo dos mares apenas para fazer um par de olhos sorrir.
   Também não pronunciou uma só palavra. Ficaram assim, mergulhados naquele silêncio negro, cortado apenas pelo som dos pneus percorrendo o asfalto e pelas buzinas incessantes de toda grande cidade. Tinha tanto para falar mas hesitou. Hesitou na inconstância do raciocínio, no abismo das palavras, que figurava-se impossível de atravessar. Era como uma criança, que perde as palavras e põe-se a apontar e emitir sons ininteligíveis, na esperança vã de ser compreendida. Ela também perdera as palavras. Ou talvez nunca as tenha tido, por isso não pode, enfim, usá-las.
   Cansada, deitou sua cabeça no ombro dele e fechou os olhos. Sentiu seu rosto se virando para fitar a janela. Imaginava-se em branco, eu sei. Não confundo porém seu desgosto com apatia... esperava tanta coisa e quão pouco pude lhe dar! Injusto. Um terror agora se apoderava dela, apertou com mais força sua mão, entrelaçando seus dedos nos dele. Foi nessa hora, nessa maravilhosa hora, que a mão antes inerte retribuiu seu afeto, seus dedos escorregaram pelos dela e seguraram sua mão. Virou o rosto e de leve o pôs sobre sua cabeça. Um segundo, um minuto, uma hora, uma eternidade. Eu também te amo. Levantou os olhos para encará-lo, sorrindo. O beijou. Quanta felicidade e esperança de compreensão jaziam nesse beijo! O fitava com toda a transparência de sua alma. Ao ver seu sorriso, enfim respirou.
   Seguravam as mãos. O momento havia chegado. Com cautela, desembaraçou-se de seus dedos, ainda o olhou uma, duas, mil vezes. Boa noite, meu bem. Saltou do carro, ainda amparada pelo seu sorriso, pelo seu maravilhoso sorriso. No espaço semi-cerrado da porta de ferro se fechando, viu seu semblante. Olhos novamente tristes, o sorriso havia se perdido. Fechou a porta e se dirigiu, morta, à sua cama.

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