Bem-Vindo

sábado, 2 de junho de 2012

Metade



"Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio;
Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca;
Porque metade de mim é o que eu grito,
Mas a outra metade é silêncio...

Que a música que eu ouço ao longe
Seja linda, ainda que tristeza;
Que o homem que eu amo seja pra sempre amado
Mesmo que distante;
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade...

Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece
E nem repetidas com fervor,
Apenas respeitadas como a única coisa que resta
A uma mulher inundada de sentimentos;
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo...

Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço;
E que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada;
Porque metade de mim é o que penso
Mas a outra metade é um vulcão...

Que o medo da solidão se afaste
E que o convívio comigo mesmo
Se torne ao menos suportável;
Que o espelho reflita em meu rosto
Um doce sorriso que me lembro ter dado na infância;
Porque metade de mim é a lembrança do que fui,
A outra metade eu não sei...

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
para me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais;
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço...

Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade para faze-la florescer;
Porque metade de mim é platéia
E a outra metade é canção...

E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade... também." Oswaldo Montenegro

Achei esse poema depois de ter escrito o texto abaixo, enquanto procurava imagens para ilustrar o post... Como coube perfeitamente com o que escrevi, inclusive tem o mesmo título, resolvi botar ai em cima.

Metade
Ela queria poder abrir seu peito, e tirar aqu
ela angústia que a corroia. Angústia... talvez a palavra fosse alguma outra, derivada de “dor”. Ela queria poder abrir seu peito, arrancar-lhe o coração e guardá-lo numa caixinha. Talvez assim ele ficasse bem... Ela queria ao menos ter mudado algo, mas sentia que sua nota era sempre a mesma. Estavam regredindo, talvez, em marcha ré menor. Ela queria, ela queria, ela queria... talvez esse fosse o problema... ela queria tantas coisas, invernos agasalhados e com chocolate quente, outonos com estórias lidas num banco qualquer de parque, verões com ondas de espuma batendo nos seus quatro pés, tantas primaveras para ver o florescer das Nenúfares... Depois de tantos meses, as notas desfalesciam como pétalas brancas, murchas, ao chão. Ouvia agora a chuva. Ah! E como ela enchia seu âmago! Ia, rastejando, pingando, formando cavernosos vazios, e os arranjos outrora tocados ecoavam fracos, ficando presos em um ou outro cantos de sua tortuosa mente. Refletia agora (porém não com a mesma luz de antigamente) que nunca tentara gritar em uma gruta. Para onde iam as palavras? Ecoavam até se perderem no vazio, ou permaneciam para sempre trancafiadas em um labirinto de sombras? Não sabia a resposta, mas, a julgar pela persistência daquelas maravilhosas sinfonias em seu interior, acreditava que se perdiam dentre fileiras de negras estalactites e estalagmites, nunca abandonando por completo a gruta.

Ela queria poder pedir desculpas, acreditando que ficariam bem, que não o machucaria de novo. Ela queria poder treinar suas palavras, deixando apenas aquelas mais belas saírem. Ah! Como gostaria de trancar as outras... jogá-las sem piedade em um calabouço, esperando apodrecerem. Mas não o fazia. Por impossibilidade de sua própria personalidade. Criara suas palavras livres, e agora elas lhe fugiam. Retornavam, é verdade, mas sempre carregando um quê meio amargo ou meio ferroso, gosto de sangue. O que fazer? Como não conseguia se impedir de metralhar frases, talvez a solução fosse mover o alvo...

Ela queria saber o que Ele queria. Tinha medo de pensar nisso... tantas vezes já o perguntara, e tantas vezes já sofreu com seu silêncio. A cada sentença não pronunciada, uma pétala caía. Sentia-se, agora, um pedúnculo vazio, desnudado por uma tempestade em plena primavera. Não era a mesma, disso tinha consciência. Cresceu tanto... desde uma semente sem cuidados até desabrochar em uma flor branca. Agora jazia ali, uma flor sem pétalas, uma metade.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

No parque

Uma autora famosa, com certeza. Sorria, enquanto olhava sua obra. Não lembrava ao certo como aquela ideia capturou sua mente... quando viu já estava escrevendo. E que sensação maravilhosa... tão ímpar! Nunca sentira algo assim antes. Claro, escrever era seu hobby, e já tinha feito isso dezenas de vezes, sempre que uma mínima inspiração surgia. Lembrava-se uma vez de estar em um café dentro de uma grande livraria, quando aquele ambiente que misturava o silêncio com o cheiro do café com leite a deu uma ideia. Tímida, no início, mas acabou se desenvolvendo em um grande conto -na sua sempre humilde opinião-. Não tinha onde escrever, estava munida apenas de uma caneta preta, dentre tantas outras coisas inúteis da bolsa. Nenhum papel. Observou, a sua frente, um porta-guardanapos de madeira trançada. A ideia reclamou, mas não teve jeito: acabou moldando-a nos guardanapos mesmo. Só quando chegou em casa é que pôde, finalmente, dar um destino mais nobre à amiga: fez questão de digitá-la no seu laptop, enquanto comia uns chocolates.
  Nessa tarde não seria diferente. Mais uma vez viu-se obrigada a improvisar. Primeiro cogitou se a ideia realmente valeria a pena para dar-se a tanto trabalho, e foi nesse momento que lhe ocorreu outro pensamento: Meu Deus! Essa era a ideia! Sim sim... o que primeiro pensara foi apenas a porta para que algo novo pudesse entrar, para que cogitasse o segundo pensamento... ah! Gostou desse. Ria-se sozinha, saboreando-o. Teve o cuidado de pensar como o botaria em prática, cuidando dos pormenores. Teriam que ser novas, sim, novas e macias. Brancas, ou em tons creme, pensou. Sua caneta preta servia para o trabalho, pois era de nanquim, então garantia uma escrita suave. Finalmente, pôs-se ao trabalho.
  Não levara muito tempo, talvez a parte mais demorada tenha sido o desenvolvimento do plano. Mas a melhor parte... ah! Sobre esta não resta dúvidas: a sensação suave de escrever, a delicadeza que se impusera, o cuidado com que desenhou as letras, o perfume que estava no ar. Como seria maravilhoso se vendessem grandes folhas para se escrever assim! Essa aspiração era boba, quase infantil, mas não consegui deixar de desejá-la. Imaginem só! Grandes maços com folhas assim... suaves, macias. O ato da escrita seria algo angelical...
  Uma autora famosa, com certeza seria um dia. Sorria enquanto olhava sua obra. Talvez umas doze, não mais que isso. Estavam dispostas no banco do parque. Ela mesma estava sentada no chão, com algumas flores murchas em volta das suas pernas cruzadas. Tivera o cuidado de selecionar as doze flores mais novas que achou, procurando só entre as caídas. Tivera, então, a sensação única de escrever em pétalas de flores.

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